Na última semana, o Presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva visitou a China para tratar das relações comerciais entre os dois países, que haviam sido relativamente prejudicadas, em virtude das posições adotadas pela equipe do mandatário anterior, Jair Bolsonaro.
Dentre os acordos tratados entre os dois países, o que teve maior repercussão na mídia brasileira, provavelmente, foi a iniciaitiva de dispensar o uso do dólar estadunidense em transações comerciais realizadas entre ambos Estados, substituindo assim, o uso desta moeda pelo Renminbi (moeda da China).
Mas como chegamos até aqui?
● Em julho de 1944, quando já era possível vislumbrar o fim da Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional se reuniu na cidade de Bretton Woods, nos Estados Unidos (EUA), para estabelecer um equilíbrio entre as políticas monetárias dos países. De maneira muito resumida, como os EUA possuíam, à época, três-quartos das reservas mundiais de ouro, fixou-se o dólar em relação a esse valioso metal, estabelecendo-se a paridade de U$$35 por onça (28,35 gramas), ou seja, um dólar seria praticamente equivalente a um grama de ouro (VASCONCELOS, 2023).
● Na década de 1960, este sistema começou a dar sinais de que iria ruir, culminando com a suspensão unilaterial, por parte do Presidente Richard Nixon, da paridade dólar-ouro, em 1971. O “grande choque” do petróleo de 1973 confirmou a inviabilidade deste sistema, e o câmbio adotado voltou a ser o flutuante.
● Apesar disso, na história moderna recente, até o momento, nenhuma outra moeda conseguiu desafiar o dólar estadunidense como unidade monetária envolvendo transações internacionais.
● Isso parece estar se alterando. As projeções de 2020, por exemplo, indicam que, em termos de Produto Interno Bruto medido pela Paridade de Poder de Compra*[1], ou seja: quanto um país pode comprar em bens e serviços com sua moeda, a China já ultrapassou os EUA.
● Essa questão, aliada à expressiva e crescente presença de investimentos chineses no mundo, especialmente em países em desenvolvimento da América Latina e do continente africano, têm permitido que a China já venha estabelecendo acordos envolvendo transações financeiras com outros países, como a Rússia e o Paquistão, sem a necessidade de recorrer ao dólar estadunidense.
● Desde a ocupação da Ucrânia pela Rússia, esse movimento vem se intensficando, muito em virtude de lograr alternativas eurasiáticas ao Sistema Swift (Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais), que, como o próprio nome sugere, tem o objetivo de permitir a troca de informações bancárias e transferências financeiras entre suas instituições financeiras participantes.
● Parece, assim, haver uma tendência de buscar alternativas ao “dólar estadunidense” para serem utilizadas como unidade monetária em transações internacionais.
● E é neste sentido que pode ser enquadrado o acordo reafirmad, entre o líder da China, Xi Jinping, e o atual Presidente do Brasil.
Mas o que isso significa daqui para frente?
● Em 2022, a moeda chinesa representava 5,37% do total das reservas estrangeiras do Brasil, enquanto o euro tinha 4,74% de participação (SANTIAGO, 2023), indicando, portanto, que, atualmente, o Renminbi é a segunda unidade monetária mais importante para o Brasil.
● Diante disso, o acordo, reafirmado em 14 de abril, entre Xi Jiping e Lula, demonstra a tentativa de aproximação entre os países, tentando fortalecer moedas regionais, ao mesmo tempo em que visa contrabalancear o dólar.
● Ainda é cedo para prever os eventuais desdobramentos, mas o que se provê, neste momento, é que, com os pagamentos passando a ser de Reais para Renminbi, os países não precisarão se preocupar tanto com os custos de câmbio, que irão diminuir (GONÇALVEZ, 2023), o que pode levar a um aumento no comércio e nas oportunidades de investimento, fortalecendo a relação bilateral entre Brasil e China (GONÇALVEZ, 2023).
● Por outro lado, considerando que o dólar é uma moeda com mais ativos internacionais do que o Renminbi, as empresas brasileiras podem criar resistência em relação ao seu uso em transações financeiras (PIRES, 2023).
● Para terminar, talvez esta atitude seja, para o Brasil, uma ação muito mais política, no sentido de sinalizar para o Sistema Internacional que está retomando o seu protagonismo, do que efetiva. Mas isso só o tempo dirá. A ver.
Referências:
GONÇALVEZ, Fabrício. In: SANTIAGO, Tatiana. 'Desdolarizar' comércio entre Brasil e China reduz custos, mas eleva riscos | InvestNews.
PIRES, Alexandre. In: SANTIAGO, Tatiana. 'Desdolarizar' comércio entre Brasil e China reduz custos, mas eleva riscos | InvestNews.
SANTIAGO, Tatiana. 'Desdolarizar' comércio entre Brasil e China reduz custos, mas eleva riscos | InvestNews.
VASCONCELOS, Sueli. https://www.em.com.br/app/colunistas/sueli-vasconcelos/20do de Minas
[1] Há dois modos de medir o PIB de um país. O primeiro define em moeda local a renda do país e, depois para efeito de comparação com outras economias, a converte em dólar. O segundo busca estabelecer quanto um país pode comprar em bens e serviços com sua moeda. Trata-se do critério do PIB pela Paridade do Poder de Compra (PPC) (MING, 2020).
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