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A Não Proliferação Nuclear e o Direito Internacional

Foto do escritor: Thaís Peixoto Saraiva CoimbraThaís Peixoto Saraiva Coimbra

O ano de 2025 representa um marco crítico para o regime jurídico da não proliferação nuclear, com reuniões estratégicas no âmbito do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (NPT) e debates intensificados em fóruns multilaterais, como o Escritório das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento (UNODA) e o Instituto das Nações Unidas para Pesquisa sobre Desarmamento (UNIDIR). O cenário geopolítico contemporâneo impõe desafios substanciais ao arcabouço normativo da não proliferação, ao mesmo tempo que reforça a necessidade de consolidar instrumentos jurídicos que garantam maior transparência e responsabilização na gestão dos arsenais nucleares.

A crescente instabilidade em diversos conflitos armados, como os da Europa Oriental, Oriente Médio e Ásia-Pacífico, aumenta o risco do uso estratégico da dissuasão nuclear como ferramenta política e militar. O aprofundamento dessas crises tem levado à erosão de normas de contenção e ao fortalecimento de discursos que legitimam o uso da força na resolução de disputas. Além disso, a modernização dos arsenais nucleares por potências militares reforça a percepção de vulnerabilidade em regiões politicamente instáveis, incentivando uma corrida armamentista que desafia os princípios do NPT e fragiliza o equilíbrio estratégico entre potências nucleares e seus adversários.

Outro fator determinante no debate sobre a não proliferação é a interseção entre segurança nuclear e interesses econômicos e comerciais. O mercado global de tecnologia nuclear continua em expansão, com países fortalecendo parcerias para o desenvolvimento de energia nuclear civil, ao mesmo tempo em que aumentam as preocupações sobre o desvio dessas tecnologias para fins militares. A ausência de mecanismos robustos de fiscalização e controle pode intensificar o risco de proliferação, especialmente em Estados que buscam consolidar sua posição geopolítica por meio da obtenção de capacidades nucleares.

Diante desse cenário, a comunidade internacional enfrenta o desafio de fortalecer as normas de não proliferação em um contexto de tensões geopolíticas crescentes, interesses comerciais divergentes e crises regionais em evolução. O avanço do direito internacional da não proliferação dependerá não apenas da cooperação entre os Estados, mas também da implementação de mecanismos mais eficazes de verificação, fiscalização e responsabilização, garantindo que os avanços obtidos nas últimas décadas não sejam revertidos por disputas estratégicas e rivalidades políticas.

 

A Base Jurídica da Não Proliferação Nuclear

O direito internacional da não proliferação nuclear se estrutura sobre um conjunto de tratados e princípios destinados a restringir a disseminação de armas nucleares e a incentivar o desarmamento progressivo. O Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (NPT), de 1968, constitui o principal pilar desse regime, estabelecendo três compromissos fundamentais: desarmamento (Artigo VI), não proliferação (Artigos I e II) e uso pacífico da energia nuclear (Artigo IV) (UNODA, 2020). Complementando esse tratado, o Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares (CTBT), de 1996, apesar de ainda não ter entrado em vigor, desempenha um papel essencial ao proibir todos os testes nucleares e restringir o desenvolvimento de novas armas nucleares.

A proibição total das armas nucleares ganhou força com a adoção do Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares (TPNW), em 2017, que introduziu uma abordagem humanitária à não proliferação, criminalizando o uso, desenvolvimento, produção e armazenamento de armas nucleares (ICAN, 2021). No entanto, sua eficácia é limitada, pois nenhuma das potências nucleares aderiu ao tratado. Além dos tratados específicos, o Direito Internacional Humanitário (DIH) estabelece limites à utilização de armas de destruição em massa, baseando-se nos princípios da distinção, proporcionalidade e proibição de sofrimento desnecessário, reforçando a incompatibilidade do uso de armas nucleares com as normas humanitárias internacionais (ICRC, 2018).


Agenda Decisiva da Não Proliferação

A 11ª Conferência de Revisão do NPT, programada para este ano, representa uma oportunidade crucial para avaliar o cumprimento dos compromissos assumidos pelas partes e enfrentar desafios emergentes no regime de não proliferação. As conferências anteriores demonstraram a crescente dificuldade de avançar na agenda de desarmamento, refletindo tensões entre Estados nucleares e não nucleares (UNODA, 2024). O debate também será abordado na Primeira Comissão da Assembleia Geral da ONU sobre Desarmamento e Segurança Internacional, que examinará o impacto da modernização dos arsenais nucleares e a necessidade de atualização das normas internacionais.

Paralelamente, as reuniões do UNIDIR e do UNODA ao longo de 2025 discutirão o impacto das tecnologias emergentes na segurança nuclear, abordando riscos como ciberataques a infraestruturas nucleares e o uso de inteligência artificial no planejamento estratégico de arsenais atômicos. A incorporação dessas novas variáveis reforça a complexidade do tema e a necessidade de uma resposta jurídica adaptada ao novo cenário internacional (UNIDIR, 2022).


Avanços e Desafios Contemporâneos

Apesar dos desafios persistentes, avanços foram observados nos últimos anos. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) aprimorou seus mecanismos de monitoramento, utilizando tecnologias avançadas para detectar atividades ilícitas e ampliar a fiscalização de programas nucleares suspeitos (AIEA, 2021). Além disso, a crescente adesão ao TPNW, embora simbólica, demonstra um aumento na pressão diplomática global pelo desarmamento (ICAN, 2022).

Entretanto, a modernização dos arsenais nucleares pelas principais potências representa um retrocesso nos compromissos assumidos no NPT. Estados Unidos, Rússia e China continuam investindo em novas ogivas e sistemas de lançamento hipersônicos, enquanto a falta de consenso entre Estados nucleares e não nucleares impede avanços significativos na agenda de desarmamento (SIPRI, 2023).


O Direito Internacional e o Futuro da Não Proliferação

O futuro da não proliferação nuclear dependerá do fortalecimento de mecanismos de transparência, verificação e responsabilização, garantindo que os compromissos assumidos nos tratados sejam efetivamente cumpridos. Pesquisas conduzidas pelo UNIDIR demonstram a necessidade de maior integração entre regimes de controle de armas e iniciativas de governança global da tecnologia nuclear, enfatizando a importância de acordos bilaterais e regionais como complemento ao NPT (UNIDIR, 2023).

A atuação do UNODA também desempenha um papel essencial ao promover esforços diplomáticos para manter a não proliferação como prioridade na agenda internacional. A convergência entre a regulação do armamento nuclear e novas ameaças, como cibersegurança e o uso de inteligência artificial na tomada de decisões estratégicas, exigirá um reposicionamento do direito internacional diante das transformações tecnológicas e geopolíticas emergentes (UNODA, 2024).

 

Considerações Finais

O ano de 2025 será um ponto de inflexão para a não proliferação nuclear, com debates estratégicos que podem redefinir o futuro do NPT e de tratados complementares. O fortalecimento do direito internacional, a consolidação de mecanismos de monitoramento eficazes e a ampliação do diálogo diplomático serão essenciais para conter a proliferação nuclear e garantir que o desarmamento global permaneça um objetivo prioritário da agenda internacional.

 

Referências

Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). (2021) Annual Report on Nuclear Safeguards. Vienna: AIEA.

Comitê Internacional da Cruz Vermelha (ICRC). (2018) Nuclear Weapons under International Humanitarian Law. Geneva: ICRC.

International Campaign to Abolish Nuclear Weapons (ICAN). (2021) The Treaty on the Prohibition of Nuclear Weapons: A Global Analysis. Geneva: ICAN.

International Campaign to Abolish Nuclear Weapons (ICAN). (2022) Global Adherence to the TPNW. Geneva: ICAN.

Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI). (2023) Global Nuclear Arsenals: Trends and Challenges. Stockholm: SIPRI.

United Nations Institute for Disarmament Research (UNIDIR). (2023) New Technologies and Nuclear Risk Management. Geneva: UNIDIR.

United Nations Office for Disarmament Affairs (UNODA). (2024) Emerging Threats to Nuclear Security. New York: UNODA.

 

Texto: Roberta Abdanur, Coordenadora do Centro de Direito Internacional, Mestre em Direito Internacional dos Conflitos Armados e foi Graduate Professional para o Advocacy do Instituto das Nações Unidas para Pesquisa sobre Desarmamento (UNIDIR) em Genebra.

 
 

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